Cada vez que caminho a distância de 30 minutos entre a escola e a vila fico pensando se algum dia poderia simplesmente mudar de vez para a vila. Eu compraria uma casinha de pau a pique, coberta de folhas de palmeiras (uma em boa condições que me proteja da maior parte da chuva) e viveria exatamente como o povo vive: buscando água no poço, cozinhando no carvão, sentando em esteiras (sem cadeiras ou mesas), sem energia, sem computador, telefone ou qualquer tecnologia e com todos os vizinhos participando da minha vida, assim como participam uns da vida dos outros entre eles!
Não sei quanto tempo eu aguentaria, mas a idéia está sempre guardadinha em minha mente.
Para aquilo que Deus me chamou agora, essa vida não é possível. Estamos quase 100% do tempo envolvidas em atividades na escola, precisamos morar na escola para a fácil locomoção e relacionamento com os alunos. Nossa vida não é de muitas regalias, mas temos energia, tomamos banhos de chuveiro (mesmo frio, pelo menos não há o esforço de carregar água na cabeça), podemos nos comunicar com vocês por email e temos uma boa alimentação.
O tempo não chegou ainda, mas a idéia permanece guardadinha em minha mente e assim que surge a oportunidade aproveito para pelo menos passar alguns dias entre eles. Entre uma turma e outra temos duas semanas de folga: a oportunidade perfeita!
Assim, Nicky, Dora e eu passamos do dia 03 ao dia 05 de Maio em Muzuane. Nosso objetivo era simplesmente estar perto do povo, observando, aprendendo, buscando oportunidade para desenvolver relacionamentos e testemunhar do amor de Deus. Montamos nossa barraca no quintal dos embaixadores (nossos missionários nacionais) e saímos para fazer algumas visitas.
A primeira manhã me trouxe à memória o versículo (Isaías 61.1-2) que diz que o Espírito do Senhor nos ungiu para consolar todos os que choram (paráfrase). Visitamos a família de um guarda da escola cujo filho de três anos havia morrido alguns dias antes. Encontramos vários parentes reunidos, consolando a mãe e a avó da criança falecida. Quando a Nicky, que já conhece bem a família, foi cumprimentar a mãe, ela chorava sem parar. Foi especial ver o conforto que algumas palavras da Nicky trouxeram para ela. No final da visita ela sussurrou para a Nicky que tinha confiança que seu filho agora estava com Deus e ela confiava nEle. É uma senhora de 41 anos e agora só lhe restou um filho já adulto, todos os outros “perderam a vida”, como dizem aqui. Ter muitos filhos, nessa cultura, é algo muito importante, talvez muito mais do que na nossa, onde há pessoas que escolhem não ter filhos – aqui seria impensável, uma loucura para eles que alguém possa fazer essa escolha.
Naquela tarde, quando voltamos para nosso acampamento, as crianças logo começaram a chegar. Duas daquela casa, três daquela outra, cinco vindas da escola a caminho de casa e logo tínhamos um bom grupo. Elas vão chegando devagarzinho e logo estão sentadas quase em cima da gente. Alguns pais mandam o filho mais velho buscar o pequeno que fugiu da tarefa de casa para ver os nkunhas (brancos) que chegaram e outros, porque não querem que os filhos tenham contato com “esses cristãos” proíbem os filhos de virem. Mas a maioria dos pais nem sabe por onde os filhos andam, e assim todos dias tínhamos um bom grupo deles conosco.
Logo na primeira tarde tirei o fantoche que ganhei de Simona num tempo bem propício e comecei a ensinar músicas e histórias bíblicas para as crianças que apareciam. Moisés e Jofenal, nossos embaixadores ali, também estão aprendendo o Makua, por serem de outra tribo, então, além da ajuda do Moisés, tive muita ajuda das crianças mais velhas que entendiam um pouco de português e me ajudavam a achar as palavras certas. Por fim, de tanto repetir a mesma coisa, eu já estava contando a história de Davi e Golias quase toda em Makua. Foi um bom aprendizado! Mas, como todo aprendizado, não faltam os erros. E esse foi muito engraçado.
Contei que Davi matou o leão e queria contar que ele matou o urso. Como as crianças não conhecem urso aqui, pensei em outro animal que pudesse substituí-lo para que elas entendessem. Pensei no hipopótamo. Ok, Davi matou o hipopótamo. Mas como se diz hipopótamo em Makua? Moisés não sabe. Pergunto as crianças e elas me dizem: Tcherope! Ok Davi okwa tcherope! Como o “tcherope” faz? - pergunto para uma das crianças maiores. Ele junta os dedos e sai saltitando. HEIN? Será que é assim que o hipopótamo anda? Ah, deixa para lá, não vamos contrariar. E a história continua, até Davi matar o gigante Golias, que desafiou o povo de Deus. Quando estou terminando a história um dos meninos pequenos chega correndo com algo na mão. Ele abre a mão e me mostra um pequeno gafanhoto. Ele aponta e diz: “tcherope!” HEIN? Então isso é um Tcherope! Isso não é um hipopótamo. Ah, por isso aquela criança mostrou o hipopótamo saltitando, ele estava mostrando era um gafanhoto! Então, Davi matou um gafanhoto!?! Que grande façanha, não?! Haha... Por fim descobri o verdadeiro nome do tal do hipopótamo e corrigi a tal da história! Da próxima vez, alguém me arranja um intérprete de verdade!? :)
Enfim, passamos bons e divertidos momentos com as crianças. Ensinei as maiores a brincar de “queimada”, as pequenas brincaram de “passa pedrinha” (na falta de um anel) e todas brincaram de “batata quente”. Tantas crianças, carentes de atenção, dispostas a aprender qualquer coisa que alguém gastar o tempo de lhes ensinar. Traduzimos várias músicas de crianças em português para o Makua e quando entrávamos para comer, elas cantavam no topo de suas vozes as músicas que aprenderam para ver se lhes dávamos atenção!
Nos próximos dias, além de passar tempo com as crianças, fomos com Moisés, Jofenal e Zita (minha professora de Makua e nossa futura aluna na escola bíblica) visitar várias casas em evangelismo.
Tantas pessoas, aguardando a mensagem do evangelho. Jacky (um nome bem diferente nessa região) nos disse que viveu toda sua vida sem conhecer o que acontece depois da morte. Ele pensava ser uma boa pessoa, mas quando viu o padrão de amor de Deus, que faz o bem em troca do mal, viu o quão abaixo do padrão se encontrava. Depois de conversarmos e mostrar-lhe o que a Bíblia diz, ele prontamente pediu para Jesus entrar em sua vida, perdoar seus pecados e ajudá-lo a viver para Ele.
Um shêhe, líder de uma mesquita próxima, encontramos doente. A família diz que foi “drogado” (alguém fez macumba contra ele) pelos outros muçulmanos que querem que ele morra para que possam ficar com a mesquita e está doente há 4 meses. Conversamos com ele sobre a vida após a morte, sobre o sacrifício perfeito de Jesus. Seus três filhos adultos aceitaram Jesus naquele mesmo dia e temos continuado a visitá-los para que cresçam na decisão que fizeram. O pai, mesmo ainda não tendo aceitado, ouviu com muita atenção e preocupação nossa conversa. Com a morte batendo à porta, ele começa a questionar com sinceridade tudo o que lhe foi ensinado. Por favor, ore por ele.
No caminho de volta para casa, um filho preocupado nos chama. É muçulmano, mas pede oração pelo pai que está muito doente há muito tempo e se encontra à beira da morte. Encontramos o senhor bem fraco numa esteira na frente de casa. Oramos por ele e no dia seguinte voltamos para visitá-lo com mais tempo. Ele também aceitou Jesus, depois de ouvir o testemunho da avó de Zita, que entregou sua vida a Jesus no ano passado e teve a vida totalmente transformada por Ele. Ore por ele também, seu nome é Afat!
E assim, olhamos ao redor, para os milhares que perecem sem conhecer a vida em abundância que encontramos em Jesus. Desesperados queremos evangelizar sem parar, mas sabemos que evangelismo sem discipulado para nada serve. Serão bebês que morrerão sem cuidado. Assim, nos dedicamos também aos líderes sendo formados para cuidarem de tão grande colheita para o Reino. Homens e mulheres que cuidarão desses muitos que aceitam a Jesus.
Moisés e Jofenal querem começar duas outras igrejas nos lares em Muzuane. Que Deus lhes dê graça para ver crescimento na vida desses novos convertidos, para que outros possam se achegar ao Rei e também serem cuidados.
Ore por nós! Ore por esse lugar!
A colheita é grande! Os trabalhadores são poucos! Que o Senhor da Colheita envie mais trabalhadores!
Voltamos para casa felizes de termos passado alguns dias com eles, mas com o desejo de mais! :)
... e a idéia permanece guardadinha em minha mente!
Não sei quanto tempo eu aguentaria, mas a idéia está sempre guardadinha em minha mente.
Para aquilo que Deus me chamou agora, essa vida não é possível. Estamos quase 100% do tempo envolvidas em atividades na escola, precisamos morar na escola para a fácil locomoção e relacionamento com os alunos. Nossa vida não é de muitas regalias, mas temos energia, tomamos banhos de chuveiro (mesmo frio, pelo menos não há o esforço de carregar água na cabeça), podemos nos comunicar com vocês por email e temos uma boa alimentação.
O tempo não chegou ainda, mas a idéia permanece guardadinha em minha mente e assim que surge a oportunidade aproveito para pelo menos passar alguns dias entre eles. Entre uma turma e outra temos duas semanas de folga: a oportunidade perfeita!
Assim, Nicky, Dora e eu passamos do dia 03 ao dia 05 de Maio em Muzuane. Nosso objetivo era simplesmente estar perto do povo, observando, aprendendo, buscando oportunidade para desenvolver relacionamentos e testemunhar do amor de Deus. Montamos nossa barraca no quintal dos embaixadores (nossos missionários nacionais) e saímos para fazer algumas visitas.
A primeira manhã me trouxe à memória o versículo (Isaías 61.1-2) que diz que o Espírito do Senhor nos ungiu para consolar todos os que choram (paráfrase). Visitamos a família de um guarda da escola cujo filho de três anos havia morrido alguns dias antes. Encontramos vários parentes reunidos, consolando a mãe e a avó da criança falecida. Quando a Nicky, que já conhece bem a família, foi cumprimentar a mãe, ela chorava sem parar. Foi especial ver o conforto que algumas palavras da Nicky trouxeram para ela. No final da visita ela sussurrou para a Nicky que tinha confiança que seu filho agora estava com Deus e ela confiava nEle. É uma senhora de 41 anos e agora só lhe restou um filho já adulto, todos os outros “perderam a vida”, como dizem aqui. Ter muitos filhos, nessa cultura, é algo muito importante, talvez muito mais do que na nossa, onde há pessoas que escolhem não ter filhos – aqui seria impensável, uma loucura para eles que alguém possa fazer essa escolha.
Naquela tarde, quando voltamos para nosso acampamento, as crianças logo começaram a chegar. Duas daquela casa, três daquela outra, cinco vindas da escola a caminho de casa e logo tínhamos um bom grupo. Elas vão chegando devagarzinho e logo estão sentadas quase em cima da gente. Alguns pais mandam o filho mais velho buscar o pequeno que fugiu da tarefa de casa para ver os nkunhas (brancos) que chegaram e outros, porque não querem que os filhos tenham contato com “esses cristãos” proíbem os filhos de virem. Mas a maioria dos pais nem sabe por onde os filhos andam, e assim todos dias tínhamos um bom grupo deles conosco.
Logo na primeira tarde tirei o fantoche que ganhei de Simona num tempo bem propício e comecei a ensinar músicas e histórias bíblicas para as crianças que apareciam. Moisés e Jofenal, nossos embaixadores ali, também estão aprendendo o Makua, por serem de outra tribo, então, além da ajuda do Moisés, tive muita ajuda das crianças mais velhas que entendiam um pouco de português e me ajudavam a achar as palavras certas. Por fim, de tanto repetir a mesma coisa, eu já estava contando a história de Davi e Golias quase toda em Makua. Foi um bom aprendizado! Mas, como todo aprendizado, não faltam os erros. E esse foi muito engraçado.
Contei que Davi matou o leão e queria contar que ele matou o urso. Como as crianças não conhecem urso aqui, pensei em outro animal que pudesse substituí-lo para que elas entendessem. Pensei no hipopótamo. Ok, Davi matou o hipopótamo. Mas como se diz hipopótamo em Makua? Moisés não sabe. Pergunto as crianças e elas me dizem: Tcherope! Ok Davi okwa tcherope! Como o “tcherope” faz? - pergunto para uma das crianças maiores. Ele junta os dedos e sai saltitando. HEIN? Será que é assim que o hipopótamo anda? Ah, deixa para lá, não vamos contrariar. E a história continua, até Davi matar o gigante Golias, que desafiou o povo de Deus. Quando estou terminando a história um dos meninos pequenos chega correndo com algo na mão. Ele abre a mão e me mostra um pequeno gafanhoto. Ele aponta e diz: “tcherope!” HEIN? Então isso é um Tcherope! Isso não é um hipopótamo. Ah, por isso aquela criança mostrou o hipopótamo saltitando, ele estava mostrando era um gafanhoto! Então, Davi matou um gafanhoto!?! Que grande façanha, não?! Haha... Por fim descobri o verdadeiro nome do tal do hipopótamo e corrigi a tal da história! Da próxima vez, alguém me arranja um intérprete de verdade!? :)
Enfim, passamos bons e divertidos momentos com as crianças. Ensinei as maiores a brincar de “queimada”, as pequenas brincaram de “passa pedrinha” (na falta de um anel) e todas brincaram de “batata quente”. Tantas crianças, carentes de atenção, dispostas a aprender qualquer coisa que alguém gastar o tempo de lhes ensinar. Traduzimos várias músicas de crianças em português para o Makua e quando entrávamos para comer, elas cantavam no topo de suas vozes as músicas que aprenderam para ver se lhes dávamos atenção!
Nos próximos dias, além de passar tempo com as crianças, fomos com Moisés, Jofenal e Zita (minha professora de Makua e nossa futura aluna na escola bíblica) visitar várias casas em evangelismo.
Tantas pessoas, aguardando a mensagem do evangelho. Jacky (um nome bem diferente nessa região) nos disse que viveu toda sua vida sem conhecer o que acontece depois da morte. Ele pensava ser uma boa pessoa, mas quando viu o padrão de amor de Deus, que faz o bem em troca do mal, viu o quão abaixo do padrão se encontrava. Depois de conversarmos e mostrar-lhe o que a Bíblia diz, ele prontamente pediu para Jesus entrar em sua vida, perdoar seus pecados e ajudá-lo a viver para Ele.
Um shêhe, líder de uma mesquita próxima, encontramos doente. A família diz que foi “drogado” (alguém fez macumba contra ele) pelos outros muçulmanos que querem que ele morra para que possam ficar com a mesquita e está doente há 4 meses. Conversamos com ele sobre a vida após a morte, sobre o sacrifício perfeito de Jesus. Seus três filhos adultos aceitaram Jesus naquele mesmo dia e temos continuado a visitá-los para que cresçam na decisão que fizeram. O pai, mesmo ainda não tendo aceitado, ouviu com muita atenção e preocupação nossa conversa. Com a morte batendo à porta, ele começa a questionar com sinceridade tudo o que lhe foi ensinado. Por favor, ore por ele.
No caminho de volta para casa, um filho preocupado nos chama. É muçulmano, mas pede oração pelo pai que está muito doente há muito tempo e se encontra à beira da morte. Encontramos o senhor bem fraco numa esteira na frente de casa. Oramos por ele e no dia seguinte voltamos para visitá-lo com mais tempo. Ele também aceitou Jesus, depois de ouvir o testemunho da avó de Zita, que entregou sua vida a Jesus no ano passado e teve a vida totalmente transformada por Ele. Ore por ele também, seu nome é Afat!
E assim, olhamos ao redor, para os milhares que perecem sem conhecer a vida em abundância que encontramos em Jesus. Desesperados queremos evangelizar sem parar, mas sabemos que evangelismo sem discipulado para nada serve. Serão bebês que morrerão sem cuidado. Assim, nos dedicamos também aos líderes sendo formados para cuidarem de tão grande colheita para o Reino. Homens e mulheres que cuidarão desses muitos que aceitam a Jesus.
Moisés e Jofenal querem começar duas outras igrejas nos lares em Muzuane. Que Deus lhes dê graça para ver crescimento na vida desses novos convertidos, para que outros possam se achegar ao Rei e também serem cuidados.
Ore por nós! Ore por esse lugar!
A colheita é grande! Os trabalhadores são poucos! Que o Senhor da Colheita envie mais trabalhadores!
Voltamos para casa felizes de termos passado alguns dias com eles, mas com o desejo de mais! :)
... e a idéia permanece guardadinha em minha mente!
Um comentário:
Suka,
cara, que coisa impressionante senti ao ler seu relato. Que lindo!
Você é a pomba que saiu da fenda e fez a sua voz conhecida. Ariadna esteve com seu pai, ministrou na escola, logo depois fomos a Holanda ministrar e chegamos há 10 dias. Fica na paz.
Abraço, LIZ MARILIA
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